Meio Ambiente

Especial – Desertificação toma conta de Alagoas

São áreas críticas, quase todas na caatinga, agonizantes entre a seca e chuvas torrenciais que caem como lâminas a dilacerar o resto de chão que teima em brotar. São torrões gigantescos onde seres, como o juazeiro e o umbuzeiro, penam sob ameaça de extinção. O mandacaru amarelece, o pau-pereira engelha e a palma só nasce com adubo.

O açoite secular que a natureza e o povo conhecem bem é o objeto de estudo de pesquisadores de várias áreas do conhecimento escalados para elaborar o Plano de Ação Estadual (PAE) de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. O trabalho baseado nos princípios da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação deve ser concluído este ano e vai propor ações concretas para amenizar a degradação do meio ambiente, orientar sobre o uso adequado do solo e estabelecer mecanismos de fixação do homem no campo.  

Caatinga agoniza diante da queimada 

Ao deixar a cidade incrustada na rocha, a estrada de barro vermelho já sinaliza para a aridez da zona rural de Ouro Branco. A paisagem são lajeiros e capoeira braba, o pasto está verde, mas a vegetação nativa padece nua, em galhos ariscos e arbustos teimosos. Casas ficam cada vez mais distantes umas das outras, espaçadas, rareiam à medida que se adentra na caatinga inóspita e dão a impressão que um deserto se aproxima.  

Menos de quinze minutos na rodagem é suficiente para o primeiro susto, no povoado Serrotinho. A excursão para diante de um monte totalmente empretecido, morto pela queimada cometida dias atrás. O estalar do fogo parece ecoar ainda, trazido pelo vento, entre os destroços de juremas, aroeiras, imburanas e angicos atacados pelo homem que comprou a terra e cismou que o lajeiro poderia virar plantio de palma e pasto para o gado.  

No Sertão deserto, água também mata 

No Sertão quase deserto, água é esperança de renascimento, mas pode terminar de matar o que a seca começou. “O problema não é pouca chuva, é a má distribuição dela ao longo do ano”, explica Jorge Izidro, do Movimento Minha Terra. Qualquer região onde o acumulado da chuva durante todo o ano não chega 800 milímetros, é definida como semiárida.

Em Ouro Branco, este índice fica em torno de 650 milímetros. Joeci Severino explica que um milímetro de chuva equivale à precipitação de um litro de água por metro quadrado. “O problema são os temporais. Teve chuva por aqui que despejou 148 milímetros numa noite só”, informa Izidro.

Sofrimento numa terra que insiste em não querer parir 

A casa de taipa com ripas rachadas tem televisão e antena parabólica. Os três filhos dão risada com o filme dos Trapalhões na TV, enquanto a mãe olha o tempo fechado na janela e chora triste. A chuva faz barulho no telhado e os trovões estrondam, mas Valdirene Pinheiro, 26 anos, tem medo de outra coisa. “Já passamo necessidade e, sexta-feira, meu marido vai pra São Paulo, pra donde tá meus irmão (sic)”. 

Quando ele volta, só sabe Deus. “Talvez daqui uns seis meses”, imagina a agricultora e dona-de-casa que vai enfrentar a saudade e o ciúme com a labuta na roça para dar de comer a três bocas: Tainara, 7 anos, Henrique, 5, e Taís, 2. Coragem não falta à mulher que começou a lidar na lavoura aos 9 anos, mas a terra quase deserta não consegue mais parir. “O milho não deu bem, e o feijão, plantamos meio saco e só deu dez quilos”. 

Livrou-se da morte no pau-de-arara 

Haroldo mora no Pilão do Gato. A família toda partiu para São Paulo e ele ficou… No Pilão do Gato. Foi deixado bebê com os avós, era pequeno e doente. Se fosse, de certo morria no pau-de-arara, viagem de vinte dias no caminhão. Viveu e cresceu no Pilão do Gato. Hoje é vaqueiro, agricultor e ainda ganha um trocado cortando o cabelo de quem aparece. Tem 55 anos, um pai e um monte de irmãos que moram em São Paulo. 

“Naquele tempo não tinha ônibus e tiveram medo d’eu morrer na estrada. Ainda bem, foi a melhor coisa, nunca saí desse Sertão, acostumei-me aqui com a família lá”, explica José Haroldo da Silva, órfão do êxodo rural. Nos anos mais difíceis, ele teve muita fome, comeu até breu e berdoégua (tipos de mato), mas nunca quis deixar o Pilão do Gato. 

Sertanejo é forte e resiste à destruição ambiental 

O deserto come a caatinga, mas não engole o sertanejo. O povo forte que resiste, aprende novas técnicas agropecuárias com manejo sustentável do solo e preservação ambiental. Com base nisso, o Plano de Combate à Desertificação deve investir nas pesquisas e evidenciar a multiplicação do conhecimento. Uma série de projetos e ideias que pipocam há décadas no semiárido devem ser reunidos num mesmo programa para concentrar esforços e potencializar seus efeitos. 

O que não faltam são exemplos da criatividade do sertanejo para resistir às intempéries do clima. No povoado Serrotinho, uma família foi buscar no mel da abelha europa, um doce alívio para a amarga aridez da área ameaçada pela desertificação. Após participar de cursos e capacitação, a estudante Vanessa Gomes Barreto, 19 anos, aprendeu a cuidar das trinta colméias que recebeu, virou apicultora, criou uma cooperativa e planeja ampliar o negócio. 
Cícero. 

Aquecimento global provoca sumiço da vegetação 

A tendência do aquecimento global aumenta os riscos da desertificação e reforça a importância de se levar a sério o plano que está sendo elaborado. Mas antes dele, é preciso conscientizar o habitante do Sertão a frear as ações degradantes. De acordo com o Programa Nacional de Combate à Desertificação (PAN), a atividade humana é a principal responsável pela formação dos novos núcleos de desertificação, tanto pela erosão como pela salinização, em áreas de agricultura de sequeiro ou irrigadas de modo inadequado. 

“Nas áreas afetadas, a vegetação se apresenta de porte reduzido, algumas espécies com sintomatologia de nanismo e concentração diluída, com maior permeabilidade do que nas demais áreas”, aponta o relatório do PAN. O estudo também constata que, quando o período chuvoso volta, o esforço de recuperação nem sempre é recompensado integralmente.

Fonte: Jornal Gazeta de Alagoas

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