História

Especial- Vinte anos sem Raul Seixas

Um guru, um filósofo, um roqueiro? Não! Raul Seixas, somente ele teria o direito de se julgar! Assim diria se estivesse vivo. Mas há 20 anos, completados no próximo dia 21, o baiano que revolucionou a música com suas letras inspiradas se despediu do público e da vida.

Há 10 mil anos “atrás”, nasceu um “menino gordinho de quatro quilos e meio, chamado Raulzito”, “numa cidade chamada Salvador”, “numa rua chamada Avenida 7”, “numa casa número 108”. O mesmo Raul da música, o astrólogo, maluco beleza, que fazia de suas letras um registro de sua angústia como homem.

Há apenas 20 anos, aquela estrela que girava em torno de sua própria órbita na Terra, que sofria sem medidas a dor de existir, passou a habitar o espaço, onde poderia voltar ao que ele chamava de “verdadeiro lugar” do homem, deixando para trás a vida, “pequeno passeio curto num lugar doido, e de mal gosto”, como definiria durante uma de suas fases mais pessimistas – mas nem por isso menos irônicas.

Noutras, rejeitava não a morte física, mas a imposta pela civilização, que o obrigava a preocupar-se com a sobrevivência: “Estou cansado de morrer tão jovem/ E a resposta ainda está para chegar/ Haja paciência para ir vivendo e sobrevivendo/ Preocupar-se em sobreviver é esquecer de viver”.

De toda forma, seria impossível falar de Raul Seixas sem lembrar da paranóia da morte, desde os tempos da infância, quando rabiscava em seus cadernos o medo que tinha de perder aqueles a quem amava ou quando escrevia que “a vida é um palito de fósforo que vai se queimando até se apagar para sempre”. Em um pequeno bilhete lacrado, rabiscado com tinta azul, menino ainda, pediu: “só será aberto no dia que eu morrer”.

Para a mãe, que abriu o envelope ao lado de Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Club, naquele 21 de agosto de 1989, Raul deixou moedas e cédulas velhas de dinheiro. Legado talvez precioso demais para suas posses de menino, porém que não chegava nem perto da herança imortal do fenômeno que ele iria se tornar.

O início, o fim e o meio

Junto com Waldir Serrão, que ele considerava como o primeiro roqueiro baiano, e mais alguns colegas, Seixas fundou o “Elvis Rock Club”, em 1959. Aos 16 anos, formou o primeiro grupo: os Relâmpagos do Rock. Já em 1963, tornou-se o líder do “The Panters”, que passou por algumas formações e nomes, até chegar ao time com o qual lançou o 1º e único LP da banda, em 1968, seguindo os motivos do iê-iê-iê romântico do rock inglês.

Acabada aquela fase do Raulzito certinho, de terno e gravata, chegava a hora de mostrar a que veio, agora com o nome de Raul Seixas. Como produtor da CBS, ele lançou o LP “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista”, com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star, uma desatenção da empresa, que logo tiraria o lançamento do mercado. Era uma preparação, o começo para as críticas ao dinheiro, o desprezo pelo trabalho e outras coisitas mais.

Depois, parcerias – como as de Paulo Coelho -, mil e uma músicas, pensamentos, crises e casamentos. Raul era como dizia de si: “escritor por excelência, ator por desejo e compositor por raiva”. Em “Krig-há, bandolo!” (1973), já conhecíamos ali alguns dos hits do músico, como “Mosca na sopa”, “Al Capone” e “Ouro de tolo”, sem falar na “Metamorfose ambulante”, canção com a qual diria mais tarde: “Attention, Raul, para não se alienar sendo apenas o compositor carismático que é Raul Seixas. Este é um personagem que eu já esgotei. Vide dica de Metamorfose Ambulante (que eu compus com 14 anos ou menos) dizendo ´Se hoje eu sou estrela, amanhã já se apagou´”.

Já nos palcos, um manifesto da Sociedade Alternativa antecipava o próximo disco, “Gita” (1974), que viria marcado por um Deus que estava em todas as coisas, levando ao público o seu conhecimento místico sobre o mundo. “Mas eu sou o amargo da língua/ a mãe, o pai e o avô/ o filho que ainda não veio/ o início, o fim e o meio”. Como bem lembrou Paulo Coelho, em entrevista de 1976: “Ambos tínhamos uma porção de coisas guardadas na cuca e sentíamos a necessidade de botá-las para fora”.

Sociedade Alternativa

“Faz o que tu queres há de ser tudo da lei”, “todo homem e toda uma mulher é uma estrela”, as frases que hoje nos lembram Raul, com todo aquele profetismo de quem acreditava numa plena felicidade humana, vieram de sua curiosidade mística. As leituras do Bhagavad-Gita e do Book of the Law, de Aleister Crowley, lhe estimularam a anunciar: “(…) foi comprado um terreno pela Sociedade Alternativa em Paraíba do Sul, onde construiremos ´A Cidade das Estrelas´(…)”. Se nada foi concretizado materialmente, sempre uma nova revolução estava no ar, nas letras de suas músicas.

Em “S.O.S”, por exemplo, o baiano demonstrava sua descrença com relação à humanidade, essas “formigas que trafegam sem porquê”, sem tempo para pensar. Para ele, que a todo momento provava seu brilhantismo intelectual, somente o moço do disco voador poderia lhe tirar daquele universo restrito.

Em “O Rebu” (1974), disco para trilha sonora de uma novela, Paulo Coelho e Raul cantavam que “a formiga só trabalha porque não sabe cantar”, uma revolução do ponto de vista social para a época – plena ditadura militar. As frases bem irônicas do tipo “se subiu, tem que descer” mostravam toda a inquietação de Raul Seixas e a crença de que sempre há uma maneira de enxergar a verdade: “Quem não tem colírio usa óculos escuros”.

Convencido de que “cada um é o que sente ser e isso é imutável no homem”, o baiano tinha naquele momento uma nova visão da Sociedade Alternativa. O disco “Novo Aeon” (1975) vinha repleto de um novo paradigma: o direito de se fazer o que se tem vontade. “Toda espécie de agrupamento na vida é uma tentativa de fortalecimento, necessidade de amparo. Medo de saber que é lindo ser diferente de todos os demais”.

Fonte: Diário do Nordeste

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo