História

Artigo de Jânio Lopo – Pobre? Morra!

Antes de 12 horas. Dia 25 de setembro. Suellen Pimentel Lopes, uma garota de 26 anos, dois filhos, procura o Pan de Roma. A pressão dela está estourando. O coração vai explodir. Suellen é pobre. Desgraçadamente pobre. A infeliz está marcada para morrer. Ela não tem outra alternativa exceto procurar socorro no Pan de Roma, próximo a Irmã Dulce. Suellen é minha enteada. Tremo nas bases. Procuro saber a evolução do seu estado de saúde. Ela não diz para não preocupar. Conheço a figura. É capaz de comer o pão que o diabo amassou a dar um aí. O pessoal responsável pela saúde dela e de tantas outras pessoas não está nem aí nem está chegando.

Antes, eu pensava que era por falta de material de atendimento. Hoje, estou convencido de que é por pura e má vontade. Tudo bem: ganha mal, trabalha além do turno e nem sempre recebe hora extra. Mas que desgraça que se submete a um trabalho filho de uma mãe desse e continua pisando na cabeça dos outros? A coisa que mais me diverte são as notícias da imprensa dizendo que fulano ou sicrano foi preso por sonegar imposto de renda. Amarro-me. Adoro esse tipo de notícia. Primeiro, porque só envolve gente de bem. E bote de bem nisso.

Segundo, porque todo os sonegadores quentes são presos e soltos na mesma velocidade. Enfim, não dá nada. O lamentável é que acaba sempre para a figura carente. Para esquecer a mágoa, digo sempre que pobre tem mais é que morrer mesmo. Minha enteada se salvou. Uma pena. Devia estar morta. Só ia fazer falta para mim, para a minha mulher e os irmãos. Uma semana depois (tudo isso?) já teríamos esquecido. Pobre tem uma facilidade horrorosa de esquecer o infortúnio. Rico, não. Não sou rico (em nenhuma sentido), mas tenho a sensibilidade de me indignar. Me indigno com o tratamento dado a Suellen. Poderia ser Suellen como poderia ser qualquer outra moça, jovem, criança ou velha. Me indigno pela malvadeza, pela humilhação, pelo ultraje de pedir pelo amor de Deus ajude a moça. Me indigno e tenho vergonha de viver numa terra em que você é escalpelado pelo governo que lhe cobra a alma de impostos e é incapaz de dizer oh, filho de sua senhora distinta, não morreu ainda não, então vou lhe dar uma ajuda. Sabe, leitor, assim como eu, você não é nada.

Não vale nada. Sua vida é uma bosta. Foi exatamente isso que eu pensei assim que vi minha enteada jogada às traças (estou sendo condescendente) naquela coisa que chamam de hospital. No desespero (pobre tem mais é que se… mesmo) tentei falar com o secretário de Saúde do Estado, Jorge Solla. Disseram-me que estava viajando. O desespero aumentou. Procurei localizar o subsecretário Alfredo Boa (ou má) Morte, mas este não respondeu hora nenhuma. Deixei um recado na sua caixa postal. Louco, alucinado, me veio à mente ligar para o governador. Tudo inútil. Tremi nas bases. Tive, mais uma vez, uma única certeza. Pobre é pobre. E pobre não vale nada. É uma pedra no caminho de quem quer e pode alguma coisa. Eu, como pobre, peço desculpas a todos os senhores que não são pobres. A começar pelo governador e seus secretários. Desculpe incomodá-los.

Ainda bem que Sullen não morreu. Aliás, ela morreu de vergonha pelo fato de ser pobre. Mas eu a consolo. Vai morrer, infeliz, de uma forma ou de outra até porque neste país você não vai ter qualquer perspectiva alvissareira. A mãe dela segurou a onda. Eu, pessoalmente, extrapolei meu sentimento de indignação. Eu tenho nojo. Amanhã (ou hoje) vou morrer também. Só lamento não ser um cachorro vira-lata (não gostaria ser cachorro de madame) para, pelo menos, ter uma morte digna. E me livre, meu bom Deus, de precisar de um posto de saúde. Por tudo o que eu não fui nesse mundo, me dê uma boa morte. Fora do SUS e dos INAMPS da vida. E, Suellem, cale a boca! Esta é a parte que cabe neste latifúndio.

Jânio Lopo, jornalista

Publicado na Tribuna da Bahia em 27/09/2009

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